Um panorama da fotografia contemporânea, com imagens em suportes alternativos (foto-esculturas, pinholes, vídeos e videomapping), produzido pelos principais fotógrafos da cena paraense, em recorte que engloba os últimos 30 anos. Eis o argumento central da exposição “Um país chamado Pará”, que chega à CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais nesta quarta-feira (16/8) e fica até 30 de setembro. Além da exposição, o equipamento promoverá diversas atividades, como palestras, oficinas e visitas guiadas. Toda a programação é gratuita.
“Um país chamado Pará” busca ressaltar a singularidade, a expressividade, as inter-relações geracionais e a contribuição do Estado da região Norte à arte brasileira, a partir da pesquisa de processos de criação. Com recorte temporal específico (dos anos 1990 aos dias de hoje), terá como principal fio condutor o questionamento – e a subversão – aos suportes, às linguagens tradicionais e a seus desdobramentos ao longo dos últimos 30 anos.
Por meio da união de duas gerações de fotógrafos, entre reconhecidos e novos talentos, tem-se como resultado a mostra inédita, que envolve 23 fotógrafos e se compõe de obras desenvolvidas de maneira muito característica no Pará. Revelam, afinal, a particularidade temática-estilística dos profissionais (e seus olhares singulares) e os atos de criação no cenário artístico acima da linha do equador.
Integram a mostra os fotógrafos Alberto Bitar, Alexandre Sequeira, Betania Barbosa Marajó, Claudia Leão, Dirceu Maués, Elza Lima, Emídio Contente, Flavya Mutran, Guy Veloso, Ionaldo Rodrigues, Irene Almeida, Jorane Castro, Mariano Klautau Filho, Miguel Chikaoka, Orlando Maneschy, Octávio Cardoso, Patrick Pardini, Paula Sampaio, Rafael da Luz, Suely Nascimento, Wagner Almeida, Walda Marques e Yan Belém. A iniciativa conta com curadoria de Rosely Nakagawa, projeto expográfico de Flávio Franzosi e projeto de acessibilidade de Sílvia Arruda.
No ver da curadora, como a fotografia representa importante campo de trocas sociais e artísticas, a exposição engloba a difusão e a produção de conhecimentos, o compartilhamento de saberes, a formação de público e o intercâmbio entre as regiões, de forma a dar visibilidade à produção brasileira, e, especificamente, do Pará, desde os anos 1970.
“No cenário cultural, nossa fotografia atua como um núcleo de referência para o desenvolvimento de uma linguagem fotográfica na região amazônica, por incentivar e promover o trabalho coletivo organizado na prática da ideia-ação-reflexão, aprimorando e multiplicando oportunidades de acesso ao exercício de fazer e pensar tal arte, sempre em sintonia com as questões sociais e culturais emergentes”, comenta Rosely Nakagawa.
Rosely frisa que o Pará é um dos maiores e vibrantes expoentes do panorama da fotografia brasileira. O movimento fotográfico do Estado se solidificou nas últimas três décadas, por meio de livros, críticas, publicações, prêmios e presenças de artistas em exposições nacionais e internacionais – a exemplo, das bienais de São Paulo e Veneza. “Nosso projeto, vem, então, ao encontro da busca de mais espaços de discussão para os que fazem, pensam e pesquisam fotografia; especialmente, a paraense”, completa.
De acordo com Uiara Azevedo, gerente de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado, a mostra “traz uma produção descentralizada, de um dos mais ricos cenários brasileiros, e celebra a vocação principal da CâmeraSete, como um dos principais equipamentos públicos voltado exclusivamente para a fotografia”.
A exposição fotográfica “Um país chamado Pará” é apresentada pelo Ministério da Cultura, Governo de Minas Gerais, Fundação Clóvis Salgado, Instituto Cultural Vale e Namazônia, com apoio da CâmaraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais, e do Memorial Minas Gerais Vale. Depois da presença em BH, a mostra segue a São Paulo, onde ficará na Panamericana Escola de Arte e Design, de 17 de outubro a 2 de dezembro.
Belém e os fotógrafos, segundo Rosely Nakagawa
Conforme destaca Rosely Nakagawa, Belém é, hoje, uma capital que abriga diversos centros culturais e museus, além de uma galeria especializada em fotos, a KAMARA_KÓ, de Makiko Akao. Cidade visitada, desde os anos 1980, por curadores de arte nacionais e internacionais, também é considerada o maior polo de fotografia do país, além de referência nas artes visuais. “A cidade abriga um número razoavelmente pequeno de fotógrafos, em comparação a outras capitais do Sudeste, mas todos de grande projeção nacional, como aqueles que apresentamos nesta exposição”, explica.
A possibilidade de reunir a fotografia paraense neste projeto, proposto por Guy Veloso, representa, segundo Rosely, uma grande responsabilidade. “Como apresentar tal produção, que conseguiu se projetar internacionalmente, mesmo numa cidade fora do ‘eixo cultural’ Rio-São Paulo?”, questiona, ao comentar, na sequência: “Elza Lima, Guy Veloso, Paula Sampaio e Walda Marques ultrapassam, hoje, as fronteiras da região Norte, sem sair do lugar de origem para produzir sua obra. Registram o povo paraense e a cultura amazônica, em toda sua diversidade e riqueza, e consolidam, com suas obras, o melhor da fotografia, em encontros, publicações, prêmios, mostras nacionais e internacionais”.
Para além da criação visual, Mariano Klautau Filho e Orlando Maneschy, artistas e curadores, abrem espaço à difusão do pensamento crítico em torno da arte contemporânea. “Essas realizações terminam por impactar sua produção autoral e a dos colegas, com a elaboração de textos e exposições coletivas, nas quais a criação artística paraense é o foco”, afirma Rosely, ao lembrar, por sua vez, que Claudia Leão e Flavya Mutran aprofundam-se em pesquisas à procura de novos suportes e significados, de forma a estruturar suas obras em técnicas experimentais, criar objetos e orientar outros artistas em formações acadêmicas.
Já Octavio Cardoso e Patrick Pardini constroem seus trabalhos por meio da contínua busca de uma documentação poética da Amazônia, ao entender “o território como lugar de ação e transformação da cultura”. Assim como Jorane Castro, cineasta, que, segundo a curadora, “construiu seu roteiro imagético convivendo, estreitamente, desde sempre, com este grupo de artistas, apresentando o cenário de uma região pouco difundida no cinema brasileiro”.
Também Alberto Bitar, Dirceu Maués e Miguel Chikaoka seguem a ampliar os limites e conceitos de imagem, para além da fotografia plana e analógica. “Bitar, no sequenciamento imagens em novos suportes, põe trilhas sonoras como compasso de leitura. Dirceu Maués, ao desenhar e criar anteparos que recriam a câmera como instrumento de ver, as transforma em objetos escultóricos e plásticos. Chikaoka expande o questionamento da percepção para discutir ‘a imagem’, mesmo sem aparato algum para produzi-la. Ele se dedica ao ‘ver’ e ao ‘ser’, como um monge”, afirma Rosely.
Os fotógrafos paraenses têm protagonizado mudanças e desejos, ao transformar o cenário das artes visuais. E não apenas por documentarem a maior procissão do mundo, o Círio de Nazaré. Alexandre Sequeira desenvolveu seu projeto em torno da comunidade de Nazaré do Mocajuba, ao reconstituir a alma de seus moradores por meio de retratos.
“Em lençóis, redes, cortinas, toalhas, os habitantes voltam a ocupar seus lugares, impressos nas próprias casas”, destaca a curadora. Juntos, Yan Belém e Rafael da Luz constroem, no espaço urbano contemporâneo, rico em memórias do passado, “seu discurso poético da desigualdade sem futuro”. Wagner Almeida e Irene Almeida, coincidentes apenas nos sobrenomes, questionam e percebem o mundo, ao usar a técnica da fotografia em mundos, ritmos e visões absoluta e radicalmente opostos. “A poesia das impressões feitas pela luz do sol da Irene, que resultam em delicados fotogramas de flores e folhas, chocam-se aos rastros de violência dos corpos jogados nas ruas, por onde transita Wagner”, destaca Rosely Nakagawa.
A curadora também sublinha a forma como Suely Nascimento e Ionaldo Rodrigues questionam o espaço urbano e suas memórias. “Ela, para lembrar, se esconde em casa, ao som das emoções mais íntimas. Ele enfrenta o caos urbano, em público, para esquecer”. Com a mesma intimidade, Betania Barbosa compartilha o dia a dia dos habitantes do Marajó central, criadores de animais invasores que, depois de adultos, “estão prontos para serem derrubados nessa ilha de tesos”.
Já Emidio Contente problematiza “a preservação do patrimônio natural e imaterial em imagens metafóricas, que resgatam o universo dos dois Goeldi, o naturalista do século XIX, criador do Museu de História Natural, e seu filho artista do século XX, que grava imagens da chuva urbana”. Tudo isso, destaca Rosely Nakagawa, “nos faz pensar: o que pode a imagem, em Belém?”.
Acessibilidade
A exposição “Um país chamado Pará” possui acessibilidade para todos os públicos. Além das atividades paralelas contarem com intérprete de Libras, há mediação para todos os públicos, com áudio-guia para descrição do espaço da exposição e das obras táteis, tocado em MP3, com fones de ouvido. Também haverá material impresso, em braile, e com tinta ampliada, e legendas para pessoas de baixa visão ou cegas. Para este público, também será oferecida a aplicação de piso podotátil de alerta e direcional.
No que se refere à localização espacial do visitante na exposição, e para o público cego, será oferecido um mapa tátil, com pedestal na entrada. O material de divulgação trará aviso sobre a disponibilidade de intérprete de Libras e a acessibilidade do local, para atender ao público especial. O projeto de acessibilidade foi desenvolvido por Sílvia Arruda, arquiteta paulistana especializada em expografia acessível.
Os recursos utilizados serão: mapa tátil, piso podotátil e audioguia com conteúdo da exposição. Serão acessibilizadas obras táteis como fotos em relevo 2D de Flavya Mutran, obras táteis em 3D de Miguel Chikaoka e Dirceu Maués, além de filme de Emidio Contente com legendas para surdos e ensurdecidos (LSE).
Programação paralela à mostra “Um país chamado Pará”
Palestras
17 de agosto – 19h às 20h30
Palestra “Religião e Fotografia: relato de experiência”, Com Guy Veloso
Local: CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais
Gratuito
18 de agosto – 19h às 20h30
Palestra “Arte e fotografia no Pará 2010-2020 – Notas sobre a dissolução de territórios identitários”, Com Mariano Klautau Filho
Local: CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais
Gratuito
Oficina
Oficina “Olhos de ver, mas com que olhos?”
Vivência com Miguel Chikaoka
Período da Oficina:
17.08 – 14h às 18h
18.08 – 14h às 18h
Local: Memorial Minas Gerais Vale – Praça da Liberdade – Belo Horizonte-MG
Atividades temáticas curatoriais
Duas visitas guiadas com Rosely Nakagawa
Datas: 17 e 18 de agosto
Depois da abertura da exposição, a curadora Rosely Nakagawa fará, junto ao público, reflexões sobre as obras e sua integração ao conceito curatorial e de expografia.
Número dos participantes: 30 pessoas
Carga horária: 1h
Serviço
Exposição “Um país chamado Pará”
Período expositivo: De 16/8 a 30/9
Local: CâmeraSete - Av. Afonso Pena, 737, Centro - Belo Horizonte
Horário de funcionamento: De terça a sábado, das 9h30 às 21h.
Foto: Orlando Maneschy