Dono da quarta maior bilheteria do Cinema Brasileiro, Neville d’Almeida é um diretor que figura entre a admiração de cinéfilos e o reconhecimento do grande público. Conseguiu fama ao produzir obras que conciliavam, com maestria, inventividade, crítica social e atuações memoráveis. Com curadoria do jornalista e crítico Mário Abbade, o Cine Humberto Mauro exibe, durante 19 dias, a mostra Neville d’Almeida - Cronista da beleza e do caos, que vai reunir 25 filmes do diretor, entre longas e curtas, e 6 filmes em que Neville aparece como ator. A mostra chegaa Belo Horizonte ampliada, após ser exibida em Brasília. A Gerência do Cine Humberto Mauro convidou Mário Abbade para reeditar a curadoria inicial e incluir um conteúdo diferenciado, como debates e palestras. Um catalogo especial também será distribuído gratuitamente durante a mostra.
Rio Babilônia
A realização de Neville d’Almeida - Cronista da beleza e do caos em BH, cidade Natal do diretor, é uma grande homenagem ao cineasta que, historicamente, teve pouco espaço para a exibição dos seus filmes na cena mineira. Aos 75 anos, ainda em plena atividade, Neville virá a Belo Horizonte, no dia 7 de outubro, participar de bate-papo sobre sua obra após a exibição do filme Navalha na Carne, junto com o curador da Mostra e Bruno Hilário, coordenador do Cine Humberto Mauro. Na abertura da mostra haverá um debate com o curador Mário Abbade e o Cineasta Mineiro Geraldo Veloso, representando o CEC, onde Neville de Almeida iniciou seus estudos sobre cinema.
Figuram na programação obras como A Dama do Lotação, adaptação da obra de Nelson Rodrigues que levou 6,5 milhões de pessoas aos cinemas; Rio Babilônia, obra contundente sobre o submundo carioca nos anos 1980; e Os Sete Gatinhos, filme protagonizado por Lima Duarte e Regina Casé, também adaptado de Nelson Rodrigues. Obras em que Neville atua, como Bandido da Luz Vermelha e Sem essa, aranha também serão exibidas.
A Dama do Lotação
Grande representante do Cinema Marginal, Neville d’Almeida foi um dos pioneiros e mais importantes nomes do movimento, que teve o seu boom entre os anos 1967 e 1971. O Cinema Marginal trouxe inovações na estética e na temática cinematográfica. O movimento é definido por produções de baixo orçamento, com abordagens altamente subjetivas e, ao mesmo tempo, questionadoras e combativas ao Governo militar.
Com filmes que refletem sobre a organização social de um Brasil em plena ditadura militar e temas tabus como sexo, homossexualidade, feminismo e violência, Neville conseguiu de forma singular imprimir sua marca autoral. “Ele conquistou um feito único, indo do Marginal ao Blockbuster. E fez isso sem perder características relevantes, como o apuro estético e a experimentação”, revela Bruno Hilário, Assessor do Cine Humberto Mauro. Além de uma estética particular e temáticas contundentes, o cinema de Neville d’Almeida se destaca pelas atuações memoráveis de grandes nomes da teledramaturgia brasileira como Sônia Braga, Vera Fischer e Regina Casé, entre outros, que iniciavam suas carreiras nos anos 70 e 80.
Como cineasta, a carreira de Neville d’Almeida começou, efetivamente, em 1966 com o curta-metragem O Bem Aventurado. Seu primeiro longa foi Jardim de Guerra, obra censurada no Brasil e amplamente elogiada no Festival de Cannes. O filme retrata um jovem amargurado e sem perspectivas que se apaixona por uma cineasta e é injustamente acusado de terrorismo. A obra foi censurada pelo Governo militar e exibida em sessão clandestina para público restrito, do qual fazia parte o artista plástico Hélio Oiticica. Esse encontro especial foi o início de uma sólida parceria entre os dois artistas, que resultou na Galeria Cosmococa, exposição de arte contemporânea permanente no Instituto Inhotim, em Brumadinho, que Neville assina ao lado de Oiticica. Multitalentoso, Neville é ainda fotógrafo, desenhista, escultor e artista visual.
Entre Belo Horizonte, Nova York e Rio – Desde criança, Neville era fascinado pela Sétima Arte e sempre comemorava seus aniversários com o pai, no cinema. Foi integrante do Centro de Estudos Cinematográfico (CEC), de Belo Horizonte, onde estudou em 1958. Um dos mais tradicionais cineclubes do País, o CEC reunia importantes nomes do cinema nacional para discutir, debater e estudar grandes nomes da cinematografia mundial como Jean Vigo, Jean Renoir, Jacques Demy e Luiz Buñuel.
Nos anos 60, Neville se mudou para Nova York com o objetivo de estudar cinema em Hollywood. “Mas, quando chegou lá, ficou decepcionado. Os cursos eram muito técnicos, muito ligados a operação de maquinário, sem uma perspectiva que ultrapassasse o cinema Norte Americano. Por isso, ele afirma que o que aprendeu no CEC, em Belo Horizonte, foi essencial para sua carreira”, explica Bruno Hilário.
A viagem serviu para que Neville conhecesse Nelson Pereira dos Santos, diretor de Rio 40 graus, que o convidou para fazer a assistência de direção no filme Fome de Amor. “Nelson já era um cineasta reconhecido no Brasil e ele foi uma espécie de padrinho para Neville, com quem trabalhou por diversas vezes”, comenta Bruno. Em seu retorno ao Brasil, Neville foi para o Rio de Janeiro, onde conviveu com importantes representantes do Cinema Novo – Gustavo Dahl, Cacá Diegues, Walter Lima Jr. e Paulo César Saraceni.
Obras inesquecíveis – Após realizar filmes reconhecidos na contracultura, Neville produziu sua obra de maior sucesso de público: A Dama do Lotação. O longa rompeu com a tradição do Cinema Marginal realizada até então, em que o sucesso comercial não acontecia, e se manteve durante muito tempo como o filme mais visto do cinema brasileiro. Um dos motivos para o sucesso foi a participação de Sônia Braga, já famosa pela atuação na TV. Sônia dá vida a Solange, uma mulher que acaba de se casar e é muito recatada em casa, mas, ao entrar em um ônibus, se transforma em uma mulher sedutora que faz sexo com qualquer homem pelo qual ela se encanta.
Outro grande sucesso é Os Sete Gatinhos, que reuniu no elenco Lima Duarte, Regina Casé, Antônio Fagundes e Thelma Reston. Hoje, o filme é considerado um clássico da pornochanchada nacional, e também é inspirado em obra de Nelson Rodrigues. Ao narrar a história da família Noronha e sua obsessão por criar uma filha pura e casta, a obra faz uma grande reflexão sobre a vida em sociedade, a burguesia e às relações baseadas nas aparências.
Quarto longa da carreira, Rio Babilônia é considerado por Neville como sua obra-prima. Estrelado por Jardel Filho, Christiane Torlone e Joel Barcellos, a obra foi criticada pelo teor erótico e por retratar um Rio de Janeiro promíscuo, desencantado politicamente, em um período em que a pílula anticoncepcional se popularizava e ainda não eram usuais os cuidados preventivos contra a AIDS.
Navalha da Carne, filme inspirado em peça homônima de Plínio Marcos, é outro marco na carreira de Neville. A obra conta a história de Neusa, uma prostituta, vivida por Vera Fischer, que tem sua vida transformada em um inferno depois que seu cafetão se envolve com uma mulher que a odeia. Com um enredo que aborda temas como homossexualidade, exploração sexual e relações de poder, o filme marcou o cinema brasileiro e também a carreira de Vera Fischer que, para realizar as filmagens, chegou a ficar durante quatro horas na posição de crucificada.
Em 2015, Neville lançou o seu mais recente trabalho: A Frente Fria que a Chuva Traz, estrelado pelos atores Chay Suede e Bruna Linzmeyer. O filme é uma ácida crítica à juventude elitista do Brasil na atualidade.
Cinema Marginal - O movimento sucede ao chamado Cinema Novo que, a partir da década de 60, buscou romper com uma linguagem clássica cinematográfica e estabelecer um cinema mais autoral e aproximando-se da cultura e identidade nacionais, como pretendia o neorrealismo italiano, desvinculado dos grandes estúdios e produtoras.
No Cinema Marginal, os diretores conservaram a lógica do rompimento com a linguagem clássica cinematográfica e estabeleceram uma ligação mais próxima com o urbano, afastando-se da tradição regionalista em busca de temas mais individuais e subjetivos. A irreverência e o ceticismo com relação aos valores sociais, também foram traços marcantes deste movimento. Esteticamente, o Cinema Marginal ficou caracterizado pela experimentação e pela inventividade. Outra particularidade do movimento foi o estabelecimento de um sistema distribuidor restrito, o que acontecia em virtude da característica pouco comercial dos filmes, alguns muito experimentais, e de uma restrição imposta pela ditadura militar, que chegou a censurar filmes inteiros.
Sessões comentadas – Durante as três semanas de exibição de Neville d’Almeida Cronista da Beleza e do Caos, o projeto História Permanente do Cinema vai exibir filmes especiais que serão comentados durante a mostra: Fome de Amor, de Nelson Pereira dos Santos; Jardim de Guerra, de Neville D’Almeida e Anjo Nasceu, de Júlio Bressane. Além da História Permanente do Cinema, várias sessões comentadas serão oferecidas durantes a mostra, dando um panorama geral da importante carreira do cineasta.
Lista de Longas-metragem exibidos na mostra
Neville d’Almeida como Diretor:
2016
A frente fria que a chuva traz
2005
Makusar – Crepúsculo dos Deuses
1999
Hoje é dia de rock
1997
Navalha na carne
1991
Matou a família e foi ao cinema
1989
Encontro Amazônico
1982
Rio Babilônia
1980
Música para sempre
1980
Os sete gatinhos
1978
A Dama do lotação
1971
Mangue bangue
1971
Piranhas do asfalto (cópia perdida)
1970
Jardim de guerra
Neville d’Almeida como Ator:
1985
Noite, de Gilberto Loureiro
1985
Areias Escaldantes, de Francisco de Paula
1970
Sem essa, Aranha, de Rogério Sganzerla
1969
O Anjo Nasceu, de Julio Bressane
1968
O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla
1968
Fome de Amor, de Nelson Pereira dos Santos
Lista de Curtas-metragens exibidos na mostra
1973
Cosmococas, de Neville d’Almeida
2005
A Água, A Mulher e o Regador, de Neville d’Almeida
2006
O Provocador – Internacionalização da Amazônia, de Neville d’Almeida
2006
A Voz do Provocador – Parte 1 – Os Artísticos, de Neville d’Almeida
2006
A Voz do Provocador – Parte 2 – O Ouro Roubado, de Neville d’Almeida
2007
O Diário Secreto de Jane Joy: Receita de Sedução, de Neville d’Almeida
2007
O Diário Secreto de Jane Joy: Calcinha, de Neville d’Almeida
2008
Neto Vida Ernesto, de Neville d’Almeida
2008
Acquawater, de Neville d’Almeida
2009
Verde Moreno, de Neville d’Almeida
2010
Boa noite, Cinderela, de Neville d’Almeida
2012
Planeta Gigóia, de Neville d’Almeida