De 11 de dezembro a 2 de fevereiro, o Palácio das Artes, o Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, o Parque Municipal Américo Renné Giannetti e a Av. Afonso Pena recebem a exposição “Escavar o Futuro”, uma realização da Fundação Clóvis Salgado, por meio da Diretoria de Programação e Gerência de Artes Visuais, com curadoria de Renata Marquez e Felipe Scovino. O nome da exposição foi inspirado em uma obra do crítico Frederico Morais que contém a frase “Arqueologia do Urbano – escavar o futuro”, que integra a série “Quinze Lições sobre Arte e História da Arte – Apropriações: Homenagens e Equações”, datada de 1970, que fez parte da lendária manifestação “Do Corpo à Terra”, realizada no Parque Municipal Américo Renné Giannetti. A manifestação estava integrada e foi feita simultaneamente à exposição “Objeto e Participação”, realizada para a inauguração da Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes. A curadoria dos dois eventos foi do próprio Frederico Morais, a convite de Mari’Stella Tristão, então diretora do setor de exposições do recém-criado Palácio das Artes. O título da obra dialogou com a proposta da exposição, porque remete a escavar o passado, numa arqueologia que também quer vislumbrar o futuro.
A equipe curatorial promoverá, também, uma conversa no dia 11 de dezembro, às 19h, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes, que contará com a presença do renomado crítico Frederico Morais, ao lado dos curadores Renata Marquez e Felipe Scovino e da arquiteta Rita Velloso. Na conversa, Felipe Scovino e Renata Marquez apresentarão o projeto curatorial de Escavar o Futuro, assim como o contexto em que a exposição se insere, além das distintas estratégias e discursividades sobre conceitos como cidade, memória, arquitetura, política e modernidade. Frederico Morais, curador da histórica exposição “Do Corpo à Terra”, apresentará o contexto político em que a referida exposição se encontrava e as possibilidades de diálogo entre esse período marcado pela ditadura no país e o momento presente. Rita Velloso apresentará as perspectivas sobre uma ideia de cidade e por conseguinte de arquitetura que é construída por manifestações sociais e que encontraram um eco perfeito nas recentes insurgências populares que ocorreram no Brasil.
A proposta dos curadores parte da produção artística das décadas de1960 e 70, momento em que há um significativo interesse dos artistas pela construção social do espaço e pela prática cotidiana de apropriação do espaço social. Escavar o futuro propõe, então, uma atualização da investigação sobre continuidades e rupturas das relações postas entre cidade, arquitetura, arte e ocupação urbana, trazendo a reflexão sobre a produção de espaços de dissenso e de como esses territórios são pensados e ocupados social e esteticamente abarcando, inclusive, as manifestações urbanas recentes como uma das formas de apropriação do espaço público. Dentre outros aspectos interessantes, a exposição busca o encontro entre arte e arquitetura e a prática espacial que as permeia, dos campos compartilhados entre essas disciplinas.
Dentre as mais de 20 obras que integram a exposição, algumas são marcantes na história da arte, como a série de fotografias da década de 60 do francês Marcel Gautherot intitulada “Sacolândia”. As fotos são inspiradas nos candangos – trabalhadores responsáveis pela construção de Brasília – que moravam nas chamadas cidades satélites, localizadas na periferia de Brasília e, portanto, excluídas do plano piloto. O artista trata de espaços e ocupações sociais até então invisíveis nos campos da arte e da política. Os homens que ergueram a capital moderna construíam suas moradias com sacos de cimento das obras da cidade planejada, evidenciando que a Modernidade, uma construção social, já possuía em seu cerne as marcas das desigualdades territoriais e sociais. O público poderá ver, ainda, as fotografias de Wilson Baptista no momento de construção da Av. Amazonas de Belo Horizonte (Da série Abertura da Av. Amazonas, 1941); e também obras de Cláudia Andujar, uma das mais importantes fotógrafas brasileiras que inaugura uma “arqueologia das ruas” no âmbito da criação fotográfica (Série Rua Direita, 1960/70); e os famosos conjuntos de heliogravuras do argentino Leon Ferrari, que residiu no Brasil entre 1976 e 1991, (Heliografias) similares a plantas de arquitetura e que representam situações fictícias de explosão demográfica e de caos urbano.
A exposição contará com obras inéditas dos seguintes artistas: Sara Lambranho, ganhadora do Edital de Artes Visuais 2013, com a obra “O Peso de uma Casa”; Marco Scarassatti e Fernando Ancil com “(_)rio elétrico”, instalação que prevê a veiculação dos sons dos rios de Belo Horizonte na Rádio-Feira da Avenida Afonso Pena; Vítor César, com “Recepção” entre as galerias Arlinda Corrêa Lima e Genesco Murta; e o vídeo “CosmopistaTikmu’ um Maxakalí-Pataxó”, integrante do projeto coordenado por Rosângela de Tugny.
A exposição irá discutir a produção de espaços de dissenso na modernidade e terá as obras expostas no Palácio das Artes (Galerias Alberto da Veiga Guignard, Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima), no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, além de duas obras em espaços públicos da cidade (no Parque Municipal e na Av. Afonso Pena). A proposta é refletir sobre a noção de “intervenção urbana”, radicalmente tensionada pelas recentes manifestações no Brasil. Renata Marquez, curadora da exposição, indaga se “com a experiência recente das manifestações populares em várias cidades do Brasil, a arte e seu projeto de novas percepções da cidade, novos imaginários políticos e novas ações coletivas em ensaios relacionais teria se visto concretizada igualmente por artistas e cidadãos?”
Para os curadores, a exposição “assume o desafio de investigar atualizações expositivas para objeto e para participação no contexto da ação atual no ambiente, tentando trilhar caminhos para possíveis respostas culturais às perguntas: como podemos entender criticamente as dinâmicas espaciais atuais frente ao paradigma moderno, suas territorializações perversas e poderes fabuladores? Em contexto distinto daquele da ditadura militar, podemos ainda falar de “guerrilha artística”, como dizia Frederico Morais?”
O curador Felipe Scovino aponta um dos questionamentos propostos pela exposição: “o que foi o modelo de modernidade que atravessou o Brasil nos anos 1950 e 60 e que foi freado pela ditadura, e o modelo excludente de agora envolto em especulação imobiliária, gentrificação, deslocamento social, Belo Monte, demarcação de terras indígenas?”
Para Fabíola Mendonça, diretora de Programação da Fundação Clóvis Salgado, a exposição é mais um ação da Instituição no intuito de refletir sobre a contemporaneidade e criar canais de discussão pública para procurar entender as recentes manifestações artísticas e seu modos de usar os espaços, dialogar com a cidade e com a história. “É sobre as estreitas relações entre arte/arquitetura/sociedade que a exposição Escavar o Futuro se construiu”, diz.
A curadoria apresenta, também, obras de artistas já reconhecidos pela crítica de artes visuais como Cinthia Marcele (Automóvel, 2012); Pedro Motta (Da série Fachada cega, 2003-2004); João Castilho (Erupção, 2013); AngelaDetanico e Rafael Lain, Paulo Nazareth, Carmela Gross e André Komatsu.
A exposição produzirá também um livro de debates com projeto editorial desenvolvido pela Pise a grama a partir das obras expostas e suas questões.
CURRÍCULO CURADORES
Renata Marquez é pesquisadora da interface arte-arquitetura-geografia, doutora em geografia e professora de Análise Crítica da Arte na UFMG. Foi curadora do Museu de Arte da Pampulha entre 2011 e 2012. Coorganizou os livros Espaços Colaterais (2008) e Atlas Ambulante (2011) e publicou o livro Domesticidades: guia de bolso (2010), além de organizar a coleção de livros do Museu de Arte da Pampulha (2011-2012) e publicar ensaios em vários catálogos, livros e revistas. É coeditora da revista PISEAGRAMA: Espaço Público Periódico. Recebeu a Bolsa FUNARTE de Produção Crítica sobre a interface de conteúdos artísticos e culturas populares em 2010.
Felipe Scovino é professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e curador. Dentre as suas curadorias, destacam-se Décio Vieira: investigações geométricas (Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, 2010), O lugar da linha (Paço das Artes, São Paulo; MAC, Niterói, 2010) e Estes Nortes (Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, 2012). Foi co-curador de Lygia Clark: uma retrospectiva (Itaú Cultural, São Paulo, 2012), que recebeu o prêmio de Melhor Retrospectiva 2012 pela APCA. Foi um dos curadores do Rumos Artes Visuais 2011-13. É organizador dos livros Arquivo Contemporâneo (7Letras, 2009), Cildo Meireles (Azougue Editorial, 2009) e Carlos Zilio (Museu de Arte Contemporânea de Niterói, 2010). Em 2008, recebeu a Bolsa de Estímulo à Produção Crítica (Minc/Funarte).
“DO CORPO À TERRA” E “OBJETO E PARTICIPAÇÃO”
A manifestação de “Corpo à Terra” e a exposição “Objeto e Participação” foram eventos simultâneos e integrados, idealizados por Mari’Stella Tristão, diretora do setor de exposições do recém-criado Palácio das Artes e também idealizadora do Salão de Ouro Preto. “Objeto e Participação” foi inaugurada em 17 de abril de 1970, no Palácio das Artes, e “De Corpo à Terra” se desenvolveu no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, entre 17 e 21 de abril do mesmo ano. Mari’Stella convidou para a curadoria da exposição o crítico Frederico Morais. Dentre os artistas, Artur Barrio, Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Lee Jafe e Décio Noviello, dentre outros.
Os eventos referidos possuíam aspectos inovadores no âmbito da história da arte brasileira. Segundo Frederico Morais, em seu texto sobre a exposição publicado em “Neovanguardas”, pela primeira vez no Brasil artistas eram convidados não para expor obras já concluídas, mas para criar seus trabalhos diretamente no local; no Parque Municipal os trabalhos se desenvolveram em datas e horários diferentes, ou seja, nem curador ou artista presenciou a totalidade das manifestações; os trabalhos realizados no Parque, de caráter efêmero, ficaram lá até sua completa destruição, dentre outros aspectos. E, também, pela primeira vez, um crítico de arte atuava como curador e artista, entendendo a curadoria como extensão da atividade crítica, o que lhe dá uma dimensão criadora.