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A imersão lusitana do Zimun
Depois de crowdfunding, banda expoente na cena mineira é convidada para residência artística em Lisboa.
Publicado em 23/11/2015 - Manuella Barbosa - Especial para O Tempo
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. O ditado popular parece se aplicar com precisão à carreira em ascensão da banda mineira Zimun, que acaba de retornar de uma residência artística de uma semana na capital portuguesa. Um ou outro leitor já deve ter dançado ao som da banda de street jazz, que se apresentou no Savassi Jazz Festival, em 2011, e nas edições de 2013 e 2014 da Virada Cultural de BH.
Zimun? Sim. O significado? Certa vez afirmaram, em tom jocoso, terem feito um pacto para não responder a essa pergunta. Formada por Thiago Matéria Prima (vocal), Fernando Castilho (vocal), Edgard Dedig (guitarra), Ravel Veiga (baixo), Gabriel Bruce (bateria), Ygor Rajão (trompete), Anderson Neves (percussão) e Felipe Villas-Boas (direção musical), todos entre 27 e 42 anos de idade, a banda Zimun incorpora influências do rap, do acid jazz, do soul, do funk e do afrobeat. Formada em 2009, a banda já exibia, cinco anos depois, dois EPs (“Surreal”, de 2013, e “Alcançando o Céu com os Pés no Chão”, de 2011) e um CD (“Pra Frente”, de 2014). Com esse currículo, os moços começaram a achar Belo Horizonte pequena.
Daí para alcançar o Velho Mundo foi um pulo. Ainda em 2014, o septeto belo-horizontino foi convidado pelo projeto Espírito Mundo para uma série de shows na Itália, um indício de que o som deles tinha potencial para agradar ouvidos europeus. Como o projeto não arcaria com todos os custos, lançaram mão de uma campanha de financiamento colaborativo, também conhecido como crowdfunding, no site Variável 5: arrecadaram R$ 9.880, verba com a qual custearam hospedagem, alimentação e transporte dentro da Europa.
E, assim, caíram na estrada. Do indício gerou-se uma certeza: foram um total de 16 shows, não somente na Itália, mas também em Portugal, sob a batuta do produtor lisboeta Nuno Saraiva, da Lusitanian Publishing. “Por meio do Nuno recebemos a carta-convite para a residência artística em Lisboa este ano”, conta Thiago Matéria Prima, um dos vocalistas.
Desta vez não foi necessário iniciar uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar a empreitada: as oito passagens, contando a do diretor musical, Felipe Villas-Boas, foram cedidas pelo programa de intercâmbio cultural Música Minas. Hospedagem e alimentação ficaram a cargo do Espaço Espelho d’Água, um complexo artístico que habita um edifício dos anos 40 com 1.200 m² e é composto por um restaurante, um café e uma sala de concertos. Algo como o Palácio das Artes de Lisboa.
Foi ali, às margens do rio e nas proximidades imediatas de um famoso ponto turístico lisboeta, o Monumento Padrão dos Descobrimentos, que os meninos da banda Zimun sorveram da cultura musical portuguesa e angolana por sete dias. Segundo o vocalista Thiago Matéria Prima, foi fácil conseguir inspiração: “A vista era maravilhosa, à beira do rio Tejo. O local oferece várias intervenções artísticas, estávamos rodeados de artistas o tempo todo”.
Durante o período de imersão total (ensaios diários das 10h às 12h e das 15h às 22h) trabalharam com dois artistas. O músico NBC, um dos expoentes do hip hop tuga, o hip hop português, e o cartunista angolano Lindomar De Sousa, chamado de “Lindox”. Sobre essa parceria, Thiago Matéria Prima diz: “Foi uma proposta inusitada e marcante, porque o Lindox é um cartunista que se propôs a ilustrar a nossa residência artística. Ou seja, Zimun em forma de cartoon”.
Do prolífero encontro com NBC, o músico, saiu uma de um total de três composições, “feitas com todo o esmero”, durante a estadia em Portugal. “Uma das delas se chama ‘Cidadão do Mundo’ e é uma coisa mais jazz, mais o estilo que molda o Zimun mesmo”, diz o vocalista. “É uma composição mais introspectiva e com veias melódicas, mais bem construídas”.
Sobre as duas composições restantes, Thiago Matéria Prima diz: “Uma delas é mais funk e foi feita em parceria com o NBC. A terceira é uma fusão de jazz com mais ‘brasilidade’, tem um pouco de frevo, um pouco de afoxé... Enfim, uma série de elementos brasileiros”. Ainda estão sem nome, à espera de serem batizadas. “Na hora certa a gente vai criar um nome legal para elas, pode deixar”, gargalha o músico.
O trabalho com NBC foi prazeroso, afirma o belo-horizontino: “Já tivemos uma conversa para levá-lo para tocar com a gente no Brasil. Será um prazer apresentar a nossa BH a ele”. Matéria Prima sublinha a riqueza da música portuguesa contemporânea: “Infelizmente, nos é apresentado muito pouco dessa música no Brasil. Tem o Slow J, o Valete, o João Pires, que destoa do tipo de música que fazemos, mas que ainda assim admiramos demais o trabalho… Enfim, a música feita em Portugal e nas antigas colônias, como Angola, é realmente fantástica”.
Quando essa reportagem foi feita, o Zimun estava se preparando para o show de despedida da residência artística. Thiago Matéria Prima: “Esse show é especial, porque é o resultado de todas as conversas, músicas, contatos, paisagens e vinhos que absorvemos aqui”, reflete ele, poético. A data coincide com os 40 anos de independência de Angola, o que, para Thiago Matéria Prima, passou a ter importância a partir de agora: “Esse espaço (o Espaço Espelho d’Água) nos acolheu com muita abertura, e essa cidade tem um contexto poético muito grande. Queremos estreitar os laços com Angola, com Portugal, afim de manter vivo o que aprendemos e vivenciamos aqui nesse dias”.