Manter viva as tradições locais, criar um ambiente de intercâmbio cultural e impulsionar o resgate de grupos de charola são alguns dos objetivos que movem o 4º Encontro de Folias e Charolas de São Sebastião. Promovida pela prefeitura de Mutum, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura, a festa deste ano, que acontece no dia 17 de setembro, tem caráter especial: celebra o centenário da manifestação cultural na região.
A história das charolas na região de Mutum começou há 100 anos, quando uma epidemia assustou os habitantes provocando a morte de algumas crianças. Para acabar com a tragédia, um morador resolveu apelar às forças do divino. Fez uma promessa: caso ninguém mais fosse atingido pelo surto, ele organizaria uma charola em homenagem a São Sebastião. Pedido atendido, e assim nascia a charola de São Sebastião do Córrego da Ponte Alta, na cidade de Mutum, território Caparaó.
Ao passar dos anos, o costume foi contaminando os moradores da região e passando de geração a geração. A história oral rendeu testemunhas, e uma delas é José Teixeira Soares. Foi seu avô, Modesto Teixeira de Siqueira, quem fez a promessa. Um século depois, José continua vivenciando a tradição iniciada pelo patriarca de sua família. Atualmente ele é o gerente de bandeira na charola criada pelo avô. “Sinto um orgulho imenso por fazer parte dessa história e muito agraciado com as bênçãos que São Sebastião nos deu”.
O misto de manifestação cultural e religiosa será tema de uma grande festa na cidade. O já tradicional Encontro de Folias de São Sebastião, criado em 2014, terá a participação de cerca de 100 charolas, conforme previsão do secretário de cultura de Mutum, César José. Um mapeamento realizado pelo Instituto do Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), que constatou a presença de 319 charolas de São Sebastião no estado, incentivou ainda mais a ampliação das festividades neste ano. “Isso demonstrou a força dessa tradição. Queremos consolidar a festa no calendário de manifestações artísticas de Minas Gerais e do Brasil”, informa César.
Para o encontro deste ano, a prefeitura de Mutum estima espalhar as charolas por todo o município, formando um grande encontro cultural. As festividades terão início com um café da manhã nas proximidades da capela de Nossa Senhora do Rosário, localizada na comunidade de Córrego da Ponte Alta e construída em 1920 com recursos arrecadados durante as peregrinações das charolas. Logo após a cerimônia de abertura, as charolas irão se deslocar pelas microrregiões levando a toada, os cantos e a bandeira em devoção a São Sebastião às casas dos moradores. No fim do dia, um cortejo e o coroamento serão realizados na praça Dona Maricas. No encerramento, os grupos irão prosseguir até o ginásio da cidade, cantando as músicas que compõem o repertório tradicional das charolas.
APOIO
A riqueza cultural das charolas foi tema de encontro realizado neste mês na Secretaria de Estado de Cultura envolvendo o secretário adjunto João Miguel, membros de charolas e da prefeitura de Mutum. “A iniciativa de celebrar o centenário das Charolas de São Sebastião em Mutum pavimenta uma avenida que enriquecerá o acervo cultural de Minas Gerais. A cidade se destaca a partir desse evento e tem potencial para se tornar referência no estado quando o assunto for cultura popular”, avalia o secretário.
TEMA DE PESQUISA
A beleza da manifestação cultural não provoca encantamento somente nos moradores da região. A academia também foi conquistada, e assim a charola virou tema de pesquisa de universidade. A meta de Adalmário Costa Pacheco Júnior, professor adjunto do departamento de instrumentos e cantos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é tornar as Charolas de São Sebastião de Mutum cada vez mais conhecidas. Nascido no município, o professor recolhe material para iniciar seu doutorado sobre a incontestável contribuição cultural das charolas na formação da identidade social dos habitantes da região. “Nossas charolas são fascinantes porque não sofreram interferência. São originais até hoje, tanto na maneira de cantar quanto no repertório”, explica o professor.
As peregrinações se iniciam no dia 6 de janeiro e terminam no dia 20 do mesmo mês, celebrado como dia de São Sebastião. Na cerimônia, os integrantes das charolas pedem permissão aos residentes para entrarem em suas casas. Quando as portas se abrem, os participantes buscam nos detalhes da residência a forma que irão introduzir o canto, sempre fazendo referências à vida dos moradores.
Conforme explica o professor, além da religiosidade, o aspecto social que envolve as charolas é muito impactante. “Elas mobilizam toda a zona rural, levando muita festa e alegria. É uma forma de agrupar as pessoas por meio da cultura popular”. Outro momento importante do ritual é o pedido de esmolas aos moradores visitados. Uma parte do dinheiro arrecadado vai para as igrejas e outra para a manutenção das charolas. “Na festa de encerramento das peregrinações tem até leilão de bezerros e porcos que foram doados para os festejos”, comenta Adalmário.
TRÊS SÉCULOS DE FOLIAS EM MINAS GERAIS
A depender da região, a charola também é conhecida como terno, companhia ou folias de reis. Essa manifestação cultural possui mais de três séculos de prática e forte representatividade na religiosidade e cultura mineira. Em geral, são organizadas por um grupo de devotos, saindo na chamada “jornada” ou “giro”, que passa pelas casas da comunidade, cantando e festejando para o santo de devoção do grupo.
Estas manifestações culturais acontecem em todo o território mineiro e se revelam de diferentes formas. Os grupos se organizam para homenagear diversos santos, e não apenas os Reis Magos, como acontece nas Folias de Reis.
No dia 6 de janeiro deste ano as Folias de Minas foram reconhecidas como Patrimônio Imaterial do Estado pelo Conselho Estadual de Patrimônio de Minas Gerais (Conep). Na ocasião, integrantes de grupos mineiros de Folias foram recebidos pelo governador Fernando Pimentel, que estava acompanhado do secretário Angelo Oswaldo.
SERVIÇO
Quarto Encontro de Folias de São Sebastião - Ano do Centenário
Data: 17/09/2017
Local: Proximidades da capela de Nossa Senhora do Rosário, na comunidade do Córrego da Ponte Alta
Horário: 7h