No Dia do Radialista, a tradicional Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, apresentou uma novidade no microfone brasileiro: lançou a jovem Isabelly Morais, de 20 anos, natural de Itamarandiba-MG, como locutora esportiva. A estreia foi na partida entre América e ABC-RN, pela 34ª rodada da Série B do Brasileiro. Contratada há quatro meses para fazer reportagens, ancorar e produzir programas, ela também aceitou o desafio para narrar partidas de futebol. Nos últimos meses, passou a treinar sozinha, em casa, e aprimorou a voz. Cheia de personalidade, Isabelly quer criar ao longo do tempo um estilo próprio de transmitir a emoção do futebol.
”Há alguns narradores que gosto muito, mas quero encontrar o meu jeito de narrar, não quero imitar ninguém. Não preparei nenhum bordão, nada característico. Quero que isso nasça. Não quero me programar para algo imprevisível dentro dos 90 minutos”.
Logo na estreia, Isabelly transmitiu dois gols. O América venceu o time potiguar por 2 a 0 e ficou mais perto do acesso à Série A. No primeiro, marcado por Giovanni, aos 23 do primeiro tempo, a estreante mostrou potência na voz. "É gooooooooool do América. Agora, América 1, ABC nada". Na etapa final, também fez bonito no gol de Rafael Lima, aos 25 minutos.
Isabelly fez uma transmissão limpa, marcada por tiradas bem-humoradas e brincadeiras com a repórter Karina Amélia e o comentarista José Augusto Toscano.
Mas havia uma curiosidade da própria narradora. O que as pessoas estavam achando? A resposta veio durante a transmissão. Pelas redes sociais da Rádio Inconfidência, mensagens pipocaram. “É muito estranho, mas é bom, diferente”, disse Sandra Magalhães. “Além de tudo, ela é pé quente”, disse outra ouvinte.
Depois do jogo, o técnico Enderson Moreira, do América, abriu sua entrevista coletiva fazendo uma saudação a Isabelly e destacando o papel importante das mulheres na sociedade. “A gente está vivendo num mundo..., a gente quer sempre um mundo muito igual. Hoje tivemos um fato muito relevante, que a Isabelly narrou um jogo hoje, em Minas Gerais é a primeira vez, e toda vez que vejo as mulheres participando do futebol, a fica gente fica feliz. Queria parabenizar a iniciativa da Inconfidência, e é mercado que a gente precisa ter mais essas mulheres. Eu tenho esposa, filha, e a gente está sempre brigando para que elas tenham sempre os mesmos espaços, os mesmos direitos, e isso é muito importante”.
Coragem para arriscar
Isabelly conta que narrar jogos nunca esteve entre suas pretensões profissionais. A sugestão partiu do chefe de esportes da Rádio Inconfidência, José Augusto Toscano, durante entrevista para estagiar na emissora. “Ele disse que queria uma narradora mulher e eu abracei a ideia. O que eu posso dizer é que precisa ter muita coragem para inovar nisso, abrir uma jornada esportiva numa rádio tradicional como a Inconfidência, narrar uma partida, mas tenho certeza que essa será uma oportunidade para me descobrir na carreira. Não sei as portas que serão abertas, mas de qualquer forma dará uma amplitude no meu trabalho”.
Sobre eventuais críticas, ela está preparada para ouvir e extrair o que for construtivo. “Costumo dizer que todo problema tem a dimensão que você dá para ele. Não quero deixar nada me atrapalhar. Vou pegar pra mim as críticas que vão me ajudar a crescer. Sei que haverá preconceito, mas isso eu tirarei de letra. Por ser mulher, já enfrentei situações delicadas na apuração, mas já ignorei muita coisa para fazer um trabalho bem profissional. Algumas fontes tentaram ter um tipo de liberdade que eu não aceito. Algumas ‘propostas’ chatas de ouvir, mas nada me desanimou. Eu sou muito profissional e levo tudo muito a sério”.
A seguir, leia entrevista com Isabelly Morais:
Coragem para inovar
Aqui em Minas, creio que uma mulher narrar um jogo será algo inédito. Já ouvi dizer que no Rio isso já aconteceu na Rádio Tupi. Tem que ter muita personalidade, mas estou tranquila para o desafio, apesar de eu ser uma pessoa muito ansiosa.
Fase de treinamento
Desde que fui contratada para estagiar na Rádio Inconfidência, há quatro meses, sabia que iam me aproveitar como narradora. Por isso, comecei a treinar em casa, narrando compactos de jogos transmitidos pela TV. Eu gravava as minhas narrações, ouvia e levava as gravações para o José Augusto Toscano, na rádio. Ia fazendo ajustes no jeito de narrar. Sempre treinei com jogos de América, Atlético e Cruzeiro, times que tenho mais familiaridade, mas em alguns dias treinei com escalações que tinha apenas à mão, sem conhecer os jogadores. É uma situação que viverei em alguns jogos.
Dificuldades
No rádio, o mais difícil é transmitir as informações com agilidade, pois a narração precisa ser dinâmica, rápida. Preciso ter espontaneidade de contar para a pessoa que me ouve aquilo que estou vendo, e meu ouvinte precisa compreender com rapidez. Uma vantagem que tenho é que já falo muito rápido. Isso facilitou na fase de treinamentos.
Bordões
Não preparei nenhum bordão, nada característico. Quero que isso nasça. Não quero me programar para algo imprevisível dentro dos 90 minutos. Preciso, claro, me preparar para cumprir alguns protocolos da transmissão, como informar o placar, mas quero que meu jeito de narrar flua naturalmente.
Grito de gol
Achei que seria mais difícil narrar os gols. Acho que na fase de treinos eu consegui achar um tom legal. Quero que seja algo normal. Não quero variar muito a minha voz, até para não me perder. O grito de gol será mais linear.
Inspirações
Há alguns narradores que gosto muito, mas quero encontrar o meu jeito de narrar, não quero imitar ninguém. Gosto do Oswaldo Reis, o Pequetito, pela emoção que ele passa na narração. E rádio tem que ser emoção. No rádio, a pessoa sente o que estão contando para ela. É importante fechar os olhos e ‘ver’ a construção do lance pelo que estão te contando. O mais importante é isso e passar emoção. Gosto muito dos narradores de Minas e do José Silvério, que fez carreira em São Paulo, mas que começou em Minas (Lavras).
Estreia no Dia do Radialista
Foi uma super coincidência. Isso está sendo incrível. Foi mais pela necessidade da rádio que eu estou estreando nessa data. Meu colega Paulo Azeredo está de férias e pintou a chance. Mas é uma coincidência que vai marcar: no Dia do Radialista uma radialista estreia. As pessoas ainda tentam limitar o espaço da mulher no jornalismo esportivo, mas podemos ir mais longe. Sei que vou receber muita crítica, vai ter muita gente maldosa falando, mas quero receber as críticas e extrair o que for melhor. Duro é ouvir crítica pelo simples fato de eu ser mulher. Já passei situações delicadas de assédio com fonte, mas superei. Já estou cascuda. Só vou pegar as críticas boas. Quero crescer e vou deixar as críticas depreciativas de lado.
Costumo dizer que todo problema tem a dimensão que você dá para ele. Não quero deixar nada me atrapalhar. Vou pegar pra mim as críticas que vão me ajudar a crescer.
Sobre preconceito, terei pena.
Já enfrentei situações delicadas na apuração, mas já ignorei muita coisa para fazer um trabalho bem profissional. Algumas fontes tentaram ter um tipo de liberdade que eu não aceito. Algumas propostas chatas de ouvir, mas nada me desanimou. Em coberturas de jogos sempre foi tranquilo. Eu sou muito profissional e levo tudo muito a sério.