O Museu Mineiro recebe a exposição Aquarelas Belo Horizonte de Fátima Pena, com temática relacionada à cidade que a artista escolheu para morar. Aquarelas e bicos de pena, realizados ao longo de décadas, são objeto dessa mostra, que comemora os 120 anos de Belo Horizonte. Os trabalhos ficam expostos até 1º de maio de 2018, na Galeria de Exposições Temporárias II do Museu Mineiro, instituição integrante do Circuito Liberdade e vinculada à Superintendência de Museus e Artes Visuais da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais.
Paisagens do tempo que não passa
Angelo Oswaldo de Araújo Santos
O Museu Mineiro abriu uma importante exposição da pintora Fátima Pena, remetendo-me ao texto no qual, faz alguns anos, pude refletir sobre o trabalho da artista. É prazeroso visitar a mostra, e o artigo vale como um fio condutor. Vamos relê-lo: A pintora Fátima Pena apresenta uma série de trabalhos de grande formato, tendo como tema a paisagem urbana. Ela sublinha o fato de estar tratando especificamente da paisagem de Belo Horizonte, reconhecível nas diversas imagens. “Procuro em mim a cor de Belo Horizonte, e Belo Horizonte entre as cores”, diz a artista, embora afirme, em seguida, que sua memória da cidade também abrange “lugar nenhum ou todos os lugares do mundo, para onde se vai quando se quer pairar acima da crua realidade cotidiana”.
Belo Horizonte é cidade que, desde seu nascimento, tem um espelho nas artes plásticas e outro na literatura. Emile Rouède pintou as cenas derradeiras do Curral del-Rei, nas vésperas da construção da capital, que ambienta um romance de Avelino Fóscolo em seus canteiros de obra. Frederico Steckel captou a primeiras visões da urbe nascente. Se o espelho da literatura tem sido mais nítido, ao refletir incessantemente a trajetória da cidade em considerável volume de textos e livros, as artes plásticas oferecem alguns registros notáveis, como as cenas do Parque Municipal pintadas por Guignard.
Fátima Pena parece partir da paisagem de Belo Horizonte para cuidar antes do tempo que do espaço. O tempo é a minha matéria, diz um verso de Carlos Drummond de Andrade. É esse tempo que abarca as paisagens amplas e largas que a artista recorta no panorama da cidade, é essa matéria que conforma o universo de símbolos que ali se expande. Sua pintura traduz visualmente o que disse outro autor que elege Belo Horizonte como cenário de suas narrativas. Em “O Amanuense Belmiro”, Cyro dos Anjos confessa: “Na verdade, as coisas estão é no tempo, e o tempo está é dentro de nós”. Segundo o romancista, “acham-se no tempo, e não no espaço, as gratas paisagens”.
Paisagens do tempo, as imagens de Fátima Pena referem outra característica para a qual Antonio Candido, citado por Rui Mourão, chama a atenção no texto belmiriano: o estilo caligráfico. A experiência anterior com aquarelas e óleos de dimensão mínima forneceu à artista um extenso e rico alfabeto, com que suspende e faz flutuar nessas rasgadas janelas sobre Belo Horizonte com uma constelação de signos, iluminuras do grande texto. Como não associar o pequeno coreto e os arcos do viaduto entrecruzando-se na pintura a capitulares da crônica visual? Ou aos pagodes das chinoiseries? Como não vê-los, assim como sinais do tempo, fragmentos da memória urbana dando vida e alma a espaços que, sem eles, seriam talvez destituídos de historicidade, de temporalidade?
Essas partículas foram coletadas não apenas pelo código da pintora, como aparecem na condição de últimos referenciais retidos pela própria cidade, cujo vocabulário sígnico continua a ser implacavelmente reduzido, dizimado por transformações desumanas. São vestígios da história que perpassam o tempo. Belo Horizonte são fragmentos. O jovem Pedro Nava, ao visitar o Palácio da Liberdade, levado por Fábio, o filho do presidente Antônio Carlos de Andrada, parou à entrada para contemplar, no alto, a efígie da deusa romana que olhou, ainda que tarde, para o pastor do poema de Virgílio. Aquela face o acompanharia para sempre.
As visões de Belo Horizonte na obra de Fátima Pena nascem da conjugação de uma pintura vigorosa, construída sob pleno domínio cromático, com o acento subjetivo marcado pelas alusões à identidade urbana, em aplicação minuciosa e elegante, reveladora da mestria artesanal igualmente exercida sobre o território da cor. O crescimento da artista evidencia como a grande tradição da pintura continua a produzir caminhos e se mantém não sobrevivente, mas contemporânea, conforme propõe o poeta Murilo Mendes.
Por ser o tempo a sua matéria, as imagens não definem de pronto o espaço. Elas o sugerem, ao encantá-lo no plano cronológico. Coreto, palmeiras, arcos do palácio, fonte das Graças, platibanda, viaduto, montanha, miragem, maravilha de milhares de signos brilhando no rosto da grande cidade, que assim vai se definindo, iluminando-se na trama urbana recorrente para assumir, de súbito, um significado simultaneamente pictórico e afetivo, plástico-visual e emocional, na fusão de invenção e memória.
A artista, finalmente, insere-se a si própria na pintura, e uma carga dramática, antes subjacente, aí se intensifica. “Minha memória privilegia o símbolo e sua aura, resgata a poesia silenciosa das cores sem grandiloquência. Pretendo ganhar o olhar do outro pelo que a pintura sugere, não pelo que explicita”, diz Fátima Pena. Ambas, autora e obra, se encontram no tempo, que “está é dentro de nós”, e começam a revelar ao espectador a alma das coisas, a luz da cidade, o sentimento de Belo Horizonte. E é a pintura que, nesse encontro, celebra um momento especial de seu colóquio centenário com o belo Belo Horizonte.
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SOBRE A ARTISTA
Fátima Maria Ottoni Pinto Ordones Pena nasceu em Teófilo Otoni/MG e desde 1966 reside em Belo Horizonte. A partir de 1974 passou a se dedicar à arte, tendo participado de diversas exposições e atuado como professora de Pintura na Escola Guignard entre 1986 a 2010. A artista é bacharel em Comunicação Social pela UFMG (1970) e tem especialização em Filosofia pela UEMG (2002). Fez cursos artísticos no Atelier Livre de Artes Plásticas (1975/76), na Escola Guignard - Litografia com Lótus Lobo (1979) e - Núcleo Experimental Amílcar de Castro (1980) e durante o Festival de Inverno em Diamantina (1989). Tem obras em Coleções Públicas de instituições como a Fundação Clovis Salgado, o Museu Histórico Abílio Barreto, o Ministério da Aeronáutica, a Universidade Federal de Viçosa, a Acesita e a Universidade Federal do Espírito Santo.
SERVIÇO
Exposição: Aquarelas Belo Horizonte
Artista: Fátima Pena
Curadoria: Guilherme Horta
Local: Museu Mineiro – Galeria de Exposições Temporárias II - Avenida João Pinheiro, 342, Funcionários, Belo Horizonte/MG
Abertura: 1º/03/18 - quinta-feira – 19h às 21h
Período: 1º/03 a 01/05 /18
Horário de Funcionamento: Terças, quartas e sextas-feiras – das 10 às 19h, quintas-feiras das 12 às 21h, sábados e domingos das 12 às 19h
Informações: (31) 3269-1103