O samba mineiro está, oficialmente, em vias de ser reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais.
Em iniciativa inédita, o Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), realizou a assinatura do termo de abertura do processo de registro do gênero musical nesta sexta-feira (2/2), durante evento no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte.
Na ocasição também foi lançado o Palácio do Samba, projeto que vai transformar o Palácio da Liberdade num espaço para celebrar o samba mineiro, com apresentações de quatro velhas guardas e rodas de samba, integrando a programação do Carnaval da Liberdade 2024. Também foi feita uma homenagem a José Luiz Lourenço, o Mestre Conga, que completa 97 anos nesta sexta. Ele fundou a Escola de Samba Surpresa em 1945, com apenas 18 anos, se tornando uma das principais figuras do Carnaval de Belo Horizonte.
"Que o Iepha, juntamente com a sociedade civil, com a velha-guarda, com o museu do samba, possa registrar essa arte tão importante para Minas Gerais, como é samba. Que os nossos compositores possam ser reconhecidos e que a gente compreenda que muito do samba, que o Brasil inteiro, que o mundo inteiro toca e faz, foi feito em Minas Gerais e ainda é feito pelas mãos desses grandes da velha guarda", destacou o secretário de Estado de Cultura Turismo de Minas Gerais, Leônidas de Oliveira, durante o anúncio do Palácio do Samba.
O pedido de patrimonialização do samba mineiro, inclusive, foi encaminhado pelo Coletivo de Sambistas Mestre Conga, que exalta o legado do homenageado.
“A velha guarda é a guardiã do samba, é o sustentáculo dessa cultura popular de matriz africana. Ter o samba registrado como patrimônio cultural significa a valorização dessa cultura tão rica, é o reconhecimento dessa arte”, declarou Nonato do Samba, um dos coordenadores do Coletivo de Sambistas Mestre Conga, que realizou o pedido de registro do samba como Patrimônio Cultural Imaterial mineiro.
Nascido Raimundo Nonato da Silva, o sambista de 61 anos tem 43 deles dedicados ao gênero e acredita que o registro vai trazer muitos frutos à comunidade.
“Tudo isso vai servir também como salvaguarda para os nossos velhos sambistas. É um reconhecimento da nossa população mineira e brasileira”, complementa Nonato, que também é líder da Velha Guarda Baluarte do Samba, intérprete da Escola de Samba Canto da Alvorada, integrante do Bloco Caricato Por Acaso e mestre da cultura popular pela Secretaria de Cultura de Belo Horizonte.
Vitrine
O presidente da Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte, Carlos Roberto da Silva, o Carlinhos Visual, defende que a patrimonialização do samba em Minas Gerais trará benefícios não apenas aos sambistas, mas ao próprio estado.
“Isso é muito bom. Vai trazer visibilidade para Minas Gerais no Brasil e no mundo, porque aqui a cultura é muito rica. O secretário Leônidas está levando a nossa cultura para fora, divulgando nosso Carnaval até no Rio de Janeiro”, comenta o baluarte, de 64 anos, que tomou gosto pelo samba ouvindo as serestas organizadas pelo pai no quintal de casa, na Favela da Serra.
“Cada semana era na casa de um amigo. Ele montava uma roda de samba, e eu ficava ali por perto ouvindo. Fui crescendo nesse meio e tomando aquele gosto pelo samba”, lembra.
A importância do samba em Minas
Embora frequentemente associado aos estados da Bahia e do Rio de Janeiro, o samba tem profunda importância para Minas Gerais e o estado tem influência no que se entende como o samba nacional. É o que apontam pesquisas e inventários já realizados até o momento, de acordo com o analista de identificação e pesquisa do Iepha, Bruno Vinicius Leite de Morais.
“Três dos compositores que são cânones do samba consolidado nos anos 1930 são nascidos em Minas. É o caso do Ari Barroso, natural de Ubá, Geraldo Pereira, nascido em Juiz de Fora, e Ataulfo Alves, que é de Miraí, os três da Zona da Mata mineira”, elenca Bruno Morais, explicando que Ari Barroso e Ataulfo Alves foram para o Rio de Janeiro aos 18 anos, já tendo, portanto, bagagem com o samba antes de chegarem à então capital nacional.
“Pela perspectiva mineira, Ataulfo Alves é o nome mais emblemático. A bibliografia sobre ele aponta que o compositor e intérprete traz uma sonoridade diferente, com caminhos distintivos dentro do samba. E esses caminhos incluem, por exemplo, o uso do canto em resposta pelas pastorinhas, com similaridades na forma de executar, que lembra a Folia de Reis em Minas Gerais”.
Esta não é a única singularidade de Minas no fazer do samba, conforme explica a gerente de Patrimônio Cultural Imaterial do Iepha, Nicole Faria Batista.
“Quando fomos fazer o inventário cultural das referências do Rio São Francisco (que nasce em Minas Gerais), foi encontrado o "batuque", que é um tipo de dança em roda com tambor. É uma dança circular, que lembra uma matriz mais tradicional do samba, e a gente percebe essa relevância dentro de Minas Gerais”, exemplifica Nicole Batista.
Ela esclarece que Minas não pleiteia o título de ter criado o samba, mas sim o reconhecimento da importância do ritmo no território. “É o samba aqui, ele ocorre aqui também. É interessante notar que, entre Bahia e Rio, está Minas Gerais. É um lugar de trânsito e de fixação, e os corpos que tradicionalmente fizeram e fazem os congados também fazem o samba”, conclui.
Processo de registro
O pedido de registro do samba como Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais já está em andamento no Iepha.
Neste primeiro momento, a instituição está se reunindo com detentores e pesquisadores para construir, em conjunto, um formulário de cadastro para que os diversos fazedores de samba em Minas Gerais possam registrar suas expressões culturais.
O formulário será lançado ainda neste semestre e, feito isso, haverá prazo de seis meses a um ano para que os detentores possam realizar os cadastros.
“Nossa principal estratégia de divulgação é pelo programa ICMS Patrimônio Cultural, porque os municípios pontuam quando eles cadastram os bens culturais e, depois, têm repasses financeiros. Também divulgamos nas nossas redes sociais, pelas redes e site da Secult, nas Jornadas Técnicas do Patrimônio. São diversas frentes para divulgar esses cadastros, há uma ampla adesão em todo o estado”, conta Nicole Batista.
A pesquisa dura, em média, 18 meses, envolvendo caracterização histórica e antropológica.
O Iepha orienta a instituição pesquisadora durante todo o processo e, no ano final, o dossiê será entregue ao Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), para que então seja feito o registro do samba como Patrimônio Cultural Imaterial.
Palácio do Samba
Nos quatro dias de carnaval, passarão pelo Palácio do Samba – o nome dado ao Palácio da Liberdade no período momesco – a Velha Guarda Baluartes do Samba, Velha Guarda da Escola de Samba Unidos dos Guaranys, Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte e Velha Guarda Amigos do Mestre Conga, além das rodas de samba do Grupo Simpatia e do Fabinho do Terreiro.
“Esse convite para tocar dentro do Palácio da Liberdade é muito importante. Eu fiz 64 anos de idade e nunca tinha entrado no palácio, e agora eu entro tocando. Estou muito feliz de fazer parte dessa história”, emociona-se Carlinhos Visual.
Foto: Cristiano Machado / Imprensa MG