A partir da versão operística do compositor francês Charles-François Gounod para o clássico Romeu e Julieta, a Fundação Clóvis Salgado integra-se às programações que lembram os 400 anos da morte de William Shakespeare. A versão composta por Gounod, com libretos de Jules Barbier e Michel Carré, estreou em Paris em 1867 e, pela primeira vez, será produzida pela FCS.
Crédito: Paulo Lacerda
Oriana Favaro representa Julieta
Originalmente ambientada na cidade de Verona, Itália, a história retrata a paixão proibida entre dois jovens de famílias rivais e a cruel dicotomia entre o amor e a morte. Pelas mãos do diretor cênico Pablo Maritano, também em sua estreia em Minas, e do regente titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Silvio Viegas, a ópera será transposta para a Era Vitoriana e enriquecida com nuances de contemporaneidade.
Mais do que apostar na história do amor romântico, a versão produzida pela Fundação Clóvis Salgado evidencia os conflitos e incongruências de uma sociedade claustrofóbica e opressora, que nega aos jovens, em última instância, a individualidade.
Para quem vivencia essa realidade, segundo Pablo Maritano, talvez existam apenas duas saídas: o amor ou a morte. “A primeira ideia que as pessoas têm ao ouvir falar sobre Romeu e Julieta é sobre amor e paixão, mas entendo que esse é um amor clandestino, de jovens que querem fugir da sociedade e das regras impostas. Nessa montagem, abordaremos mais o viés trágico do que esse amor romântico”, revela.
O ambiente claustrofóbico em que os personagens estarão inseridos ficará evidente nos cenários de Renato Theobaldo, que retorna à Fundação Clóvis Salgado para mais uma montagem. Já os figurinos de Sayonara Lopes irão recuperar o romantismo da Era Vitoriana, incorporando traços modernos. Completam a equipe técnica Pedro Pederneiras na iluminação e Lydia Del Picchia nas coreografias.
Crédito: Paulo Lacerda
Giovanni Tristacci é Romeu na montagem
A Ópera será encenada pelos três corpos artísticos da Fundação Clóvis Salgado – Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Coral Lírico de Minas Gerais e Cia. de Dança Palácio das Artes. Também foram convidados para a montagem solistas de reconhecimento mundial, como a jovem argentina Oriana Favaro, no papel de Julieta, e o brasilero Giovanni Tristacci, no papel de Romeu. Outro destaque é o também brasileiro Paulo Szot, no papel de Mercucio. Com brilhante trajetória internacional, Szot é detentor de prêmios como Tony Award, Drama Desk, Outer Critic’s Circle e Theater World Awards.
Crédito: Paulo Lacerda
Orquestra Sinfônica de Minas Gerais
Integram ainda o elenco os solistas Eduardo Amir (Capuletto), Sávio Sperandio (Frei Lourenço), Luciana Monteiro (Gertrude), Thiago Soares (Teobaldo), Pedro Vianna (Páris), Aline Lobão (Stephanio), Mario Chantal (Duque), Lucas Ellera (Benvolio) e Célio Souza (Gregório).
Entre os extremos do amor e da morte – A história a ser encenada no Grande Teatro do Palácio das Artes revela a hipocrisia e os problemas estruturais de uma sociedade tirana. Segundo Pablo Maritano, tanto o amor quanto a morte são alternativas para se escapar dessa realidade. “Por mais bonita e comovente que seja a história do amor romântico, puro e casto, ela não basta. É preciso considerar o final. É a morte dos dois jovens apaixonados, encarcerados socialmente e que não podiam viver plenamente esse amor que nos choca”.
A organização social da Era Vitoriana servirá como pano de fundo para ilustrar esse contexto. Socialmente, esse período foi rico em moralismos e preceitos rígidos. Deveres da fé, defesa da moral e dos bons costumes eram alguns dos valores defendidos, que exigiam a submissão da mulher e impunham a supervalorização do homem.
Da mesma forma, em Romeu e Julieta, os dois jovens estão inseridos em uma sociedade estratificada, com regras e normas de conduta pré-estabelecidas e sem espaço para transgressões. Nesse contexto, Julieta, ”protegida” das experiências do mundo e com um leque de possibilidades muito restrito, é a figura mais prejudicada. “Ela é apresentada ao público como um objeto próprio para escambo. Sua apresentação à sociedade é quase um leilão”, comenta Pablo.
Longe de ser uma garota inocente, a corajosa e determinada Julieta encontra no sonhador e experiente Romeu a oportunidade de escapar da opressiva realidade que a cerca. “É preciso também romper com essa ideia de inocência de Julieta. Ela é uma personagem com fome de viver. Romeu é um sonhador, mas as coisas lhe são permitidas, a realidade não é tão cruel”. Para o Diretor, Romeu e Julieta recorrem ao sonho e à fantasia porque a realidade que os cerca é muito artificial e hipócrita.
Pablo Maritano avalia que a atualidade de algumas das questões tratadas em Romeu e Julieta, como a inserção da mulher na sociedade, podem contribuir para a reflexão do público. “Acredito que a partir da personagem Julieta, seja possível alterar o arquétipo da mulher puramente romântica e percebê-la simplesmente como um ser humano”, conclui, acrescentando que a arte e o teatro têm o potencial de falar a verdade, mesmo contando uma mentira.
A perfeita sonoridade para uma história de amor – Reconhecido por suas óperas, pelas músicas coral e religiosa, Charles-François Gounod foi um compositor francês famoso pelo estilo lírico e apuro harmônico que influenciaram a produção operística francesa. Escrever uma ópera inspirada na obra de Shakespeare era um dos grandes desejos de Gounod.
Segundo o Diretor musical da ópera e regente, Silvio Viegas, o resultado alcançado pelo compositor é uma das mais belas obras do repertório operístico mundial. “Nada mais, nada menos, ele oferece momentos ímpares para solistas, coro e orquestra. A composição de Gounod busca, com sensibilidade, capturar a emoção e a dramaticidade do texto de Shakespeare”, destaca.
Para o Regente, a obra chama atenção por sua qualidade e sensibilidade. “A ópera Romeu e Julieta sempre é representada em função da força e beleza de sua música. Sublinha de forma perfeita e sensível uma das mais lindas histórias de amor de todos os tempos”, diz Silvio Viegas.
Aos solistas, Gounod oferece árias ricas e belíssimas, que capturam de forma tridimensional e complexa os sentimentos dos personagens, principalmente de Romeu e Julieta. Inserido na trama em diversos momentos, o Coral Lírico tem seu momento mais brilhante no terceiro ato, em que é exigido ao máximo, vocal e dramaticamente.
À Orquestra cabe um papel que vai além do simples acompanhamento, com linhas melódicas tão ricas quanto as atribuídas aos solistas. “A orquestra não apenas sublinha e desenha de forma elegante, delicada e sensível essa história de amor, mas canta esse amor, sangra com os personagens e derrama sobre o espectador todo o sentimento que esse drama possui”, revela o Maestro.
Segundo Viegas, apesar da pouca liberdade assumida por Gounod, que respeitou ao máximo o texto original, a cena final foi alterada, conferindo maior emoção à representação. “Originalmente, quando Julieta acorda de sua falsa morte encontra Romeu morto. Na ópera, quando ela acorda, Romeu ainda está vivo, o que nos permite testemunhar um dos mais lindos duetos de amor da história operística mundial”.
Cenário e figurinos – Para Renato Theobaldo, o cenário da montagem cria quase um contraste com a realidade hipócrita dessa sociedade real, porém, com uma dramaticidade muito pesada. Segundo ele, para atingir esse efeito, o cenário é confeccionado em madeira escura, com portas e janelas de arquitetura que lembram a Era Vitoriana. “Durante a montagem, percebi que ele pode até se assemelhar a uma tumba. Não era essa a intenção, mas combina bem com a dramaticidade da ópera”, reconhece Theobaldo.
Bastante flexível, com pequenas alterações ao longo da montagem, o cenário se transforma para receber os cinco atos da encenação. Em uma cena se torna fundo para um animado baile, em outras ganha cadeiras, adereços ou apenas luminárias.
Já os figurinos, sob a responsabilidade de Sayonara Lopes, terão alguns matizes de contemporaneidade. Os vestidos conterão bastante volume, com novas modelagens e inovações; chapéus e máscaras receberão traços metalizados. Já os figurinos masculinos, basicamente, serão compostos por fraques.
Encontra-se no figurino um dos maiores signos da montagem: o vestido de noiva de Julieta. Respeitando o costume iniciado com a Rainha Vitória em seu casamento, o vestido de Julieta será branco, com bastante volume e um enorme véu. “Ela vai estar vestida de forma luxuosa e com muito glamour para representar o sonho impossível”, diz Sayonara Lopes.
ELENCO
Julieta – Oriana Favaro
Romeu– Giovanni Tristacci
Mercucio– Paulo Szot
Capuletto– Eduardo Amir
Frei Lourenço – Sávio Sperandio
Gertrude– Luciana Monteiro
Teobaldo– Tiago Soares
Páris – Pedro Vianna
Stephanio – Aline Lobão
Duque– Mauro Chantal
Benvolio– Lucas Ellera
Gregório– Célio Souza
Charles-François Gounod (1818 – 1893)
Reconhecido por suas óperas, pelas músicas coral e religiosa, Charles-François Gounod foi um compositor francês famoso por seu estilo lírico e seu apuro harmônico, que influenciaram a produção operística francesa.
Filho de um pintor e uma pianista, Gounod nasceu em Paris. Incentivado pela mãe, teve contato direto com a música desde a infância, entrando para o Conservatório de Paris aos 18 anos. Foi aluno do compositor francês Jacques Fromental Halévy e do pintor Lesueur. Aos 21 anos, a genialidade de Gounod foi reconhecida ao vencer, após duas tentativas frustradas, o Prix de Rome, prêmio para jovens compositores que levava os vencedores para estudar na Itália. Em Roma, estudou música sacra e passou dois anos no seminário Saint-Sulpice, em Paris.
Por influência da mezzosoprano Pauline Viardot, foi introduzido no mundo das óperas. Seu primeiro trabalho – Sapho – recebeu críticas positivas. Mas foi ao estabelecer parceria com os libretistas Jules Barbier e Michel Carré que a veia operística de Gounod desabrochou. Juntos, adaptaram O Médico à Força, de Molière; Fausto, de Goethe; e Romeu e Julieta, de William Shakespeare; sendo os dois últimos títulos os seus grandes sucessos. As três obras ganharam destaque por sua orquestração arrojada e árias melodiosas.
Adaptar Romeu e Julieta era um grande desejo de Gounod. O compositor se encantou com a obra após ouvir um ensaio da Sinfonia Dramática feita por Berlioz, inspirada na trágica história de amor. Iniciou sua versão 30 anos depois, levando um ano para concluí-la, mesmo isolando-se em uma vivenda perto do mar de uma província italiana. Sua imersão na obra foi tamanha que o compositor afirmou sentir os personagens tão próximos que pareciam ser reais. Romeu e Julieta estreou em 1867, sendo a nona ópera de Charles Gounod. Estão ainda entre os seus trabalhos operísticos Mireille (1864), Philémon et Baucis (1860) e La reine de Saba (1862).
WILLIAM SHAKESPEARE (* – 1616)
A vida e a obra de William Shakespeare, considerado o maior escritor inglês e dramaturgo mais influente do mundo, estão envoltas em mistério. A falta de documentação que comprove a própria existência, o nascimento e a autenticidade de suas obras levam alguns teóricos a afirmarem que o autor nunca existiu e até mesmo que suas obras pertencem a outros escritores. Mas, apesar das incertezas e da falta de documentação, acredita-se que Shakespeare era filho do comerciante John Shakespeare e de Mary Arden.
Levam sua assinatura cerca de 38 peças, 154 sonetos, 2 longos poemas narrativos e várias poesias. Escreveu dramas, comédias e tragédias que tiveram alcance mundial, sendo traduzidas para as principais línguas.
Sua obra mais conhecida é a bela e trágica Romeu e Julieta, escrita entre 1591 e 1595, cujo objetivo era denunciar as hipocrisias, as convenções sociais e a luta pelo poder a partir do amor proibido de dois jovens.
*As incertezas rondam a data de nascimento de William Shakespeare, sendo a mais provável 23 de abril de 1564, três dias antes do batismo – já que o costume na época era batizar crianças logo após o nascimento – na pequena cidade inglesa de Stratford-upon-Avon.
Ópera Romeu e Julieta
Local: Grande Teatro do Palácio das Artes – Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1537 – Centro
Récitas: 19, 21, 23, 27 e 29 de maio de 2016
Classificação: 10 anos
Duração: 3h15 com 2 intervalos de 20 minutos
Informações para o público:
(31) 3236-7400